Apresentação

Renascença de mãos dançarinas

Mãos dançarinas movimentam os dedos entre fios, fitas, almofada, relevos.
Movem a vida pelas mãos.
Pelos dedos vão catando cores de quando a vida era somente infância.
Pelas vozes de mãos desadormecidas gritam mundos.
Multiplicam-se linhas, vibram corpos antigos, seculares.
Luz e sombra entrelaçam geometrias de mistério e regozijo.

A herança têxtil da renascença mostra-se em minúcia, em filigranas, arabescos, florais, ramagens de uma poética vernacular que oferece como um dos expoentes máximos em Pernambuco a obra autoral de João Elias Espíndola. A sofisticação da técnica e da criação artística ganha ainda maior delicadeza e densidade com a pesquisa imagético-textual e curadoria de Lenice Queiroga, que, valendo-se principalmente da linguagem da fotografia, oferece a riqueza de pesquisa estética, histórica, social para evidenciar, de maneira sensível, a importância deste patrimônio cultural – a renda renascença.

Como se fosse relíquia”, a aura de mistério e enigma dos velhos aponta o lugar do mítico, a ancestralidade. As ruínas, o céu entrevisto, as pedras, o barro cru, as sombras em movimento tramam paralelismos de claro e escuro, diálogos de natureza-e-cultura que Lenice consegue apreender, construir e exibir com maestria, concebendo/corporificando a pesquisa e direção de arte na sutileza de detalhes, nas composições cenográficas, na densidade dramática, na tactilidade, na exuberância de pessoas e cenas retratadas.

Em Poção, nascedouro do rio Capibaribe, agricultores rendeiros cuidam do plantio e da colheita como se cuidassem do contínuo fluxo das águas da vida que nunca é a mesma. Cuidam da mata ciliar, das margens do rio como se cuidassem da própria dignidade em territórios identitários. Dia e noite na roça, na renda. A labuta de seres delicados, aparentemente incansáveis, é esteio para esta poética vernacular em que vigora a inovação artística numa ambiência arcaizante de mundo rural e/ou semi-rural visceralmente conectado à efervescência das feiras livres.

Os belos ornatos, o bom acabamento, os riscos tradicionais vivamente contemporâneos são cadernos de caligrafia feitos de ramos, flores, círculos e outras geometrias, sombras em movimento, harmonia de sobretons, torres, traças, aranhas. Aracne vai movendo-se pelo contemporâneo do agora e de memórias centenárias. Na fluidez da paisagem, coreografia de gravetos. Fractal textura de rendilhados e vegetais. A renda bailarina se veste de vermelho. Rede de cromatismos, corpos, riscos. Renascença.

Maria Alice Amorim
Escritora
Pesquisadora em Cultura Popular
Dra em Comunicação e Semiótica (PUC – SP)